É comum vermos alguns atletas usarem câmaras hiperbáricas para recuperar de treinos intensos e de lesões. E até que ponto esse uso é suportado por evidências cientificas?

A oxigenoterapia hiperbárica (OTH) consiste na administração de oxigénio (O2) a uma concentração de 100%, respirado através de uma máscara, numa câmara - monoplace (individual) ou multiplace (com várias pessoas em simultâneo)- com pressão acima da pressão atmosférica absoluta (ATA). Normalmente, o tratamento é administrado diariamente por 1 a 2 horas com pressões de 2,0 a 2,8 ATA, dependendo da indicação. A oxigenoterapia hiperbárica (OHB) é um tratamento que está bem definido para algumas patologias. Essas indicações são divididas em três categorias, pelo Comité Europeu de Medicina Hiperbárica, em tipo 1, 2 e 3:

  • Tipo 1 - a OTH é fortemente indicada como método de tratamento primário e o seu uso é apoiado por evidências cientificas suficientemente fortes;
  • Tipo 2 - a OTH é sugerida e o seu uso é tem níveis aceitáveis de evidência;
  • Tipo 3 - a OTH pode ser considerada uma medida possível/opcional, mas ainda não é apoiada por evidências suficientemente fortes.

Mecanismos e efeitos fisiológicos

Grande parte do O2 que é transportado pelo sangue está ligado à hemoglobina, sendo que apenas uma pequena parte está dissolvido no plasma- aproximadamente 3mL O2 por litro de sangue ao nível do mar. Com o aumento da pressão da câmara e o fornecimento de O2 a 100% pode-se atingir uma quantidade de oxigénio no plasma de 60mL/L à pressão de 3 ATA. Assim, associado ao oxigénio que está ligado à hemoglobina, o aumento de oxigénio dissolvido no plasma faz com que haja uma maior quantidade absoluta deste gás disponível para ser entregue nos tecidos.

O efeito mais importante da OTH, além de oferecer mais O2 aos tecidos, é a produção de radicais livres numa faixa terapêutica para estimular a sinalização celular. Desta forma induz stresse oxidativo promovendo a ativação de processos e vias celulares, nomeadamente a produção de alguns fatores de crescimento.

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Efeitos adversos

A OTH é segura e os efeitos adversos são geralmente leves e reversíveis. Existem duas preocupações principais: o barotrauma (trauma causado por pressão) e a toxicidade do oxigênio.

Lesões desportivas e a Oxigenoterapia hiperbárica

A OTH tornou-se popular entre atletas lesionados devido aos seus hipotéticos benefícios ao acelerar a recuperação, especialmente entre atletas profissionais ou com muitos recursos financeiros. No entanto, apesar da ampla divulgação do uso desta modalidade terapêutica para estas condições, as evidências que apoiam essa prática são escassas.

Tendo em conta os mecanismos fisiológicos propostos, a utilização do oxigénio hiperbárico teria maior contributo se fosse iniciado logo após o momento da lesão, eventualmente nas primeiras 8 horas após a lesão, pois é durante esta fase da lesão que se poderia potenciar os benefícios teóricos, promovendo um aumento da síntese de colágeno, redução do edema e formação de mais vasos sanguíneos. Após este período os benefícios serão mais subtis com o término da fase hiperaguda da fase inflamatória.

Lesões musculares

Existem vários tipos de lesões musculares, elas vão desde a DOMS (Delayed Onset Muscle Soreness - dor muscular de origem tardia) que é a dor que muitos dos atletas sentem após um treino intenso, as contusões e as roturas musculares.

Quando estas lesões surgem em atletas é necessário que a recuperação seja feita o mais rápido possível para minimizar o tempo em que ficam afastados das provas. Alguns estudos apontam alguma vantagem no que diz respeito a DOMS principalmente na primeira vez a que são submetidos a OTH porém essa melhoria não se traduz a longo prazo. Outros estudos apontam para resultados contraditórios.

Relativamente à contusão e às roturas musculares não existem estudos em humanos, porém foram feitos estudos em ratos e os resultados não foram completamente esclarecedores. Um dos estudos que mostrou maior benefício foi realizado em ratos com um protocolo a uma pressão de 2ATA, em seis sessões de uma hora, durante duas semanas, com início no momento após a lesão.

Lesões ligamentares e tendinosas

Relativamente a estas lesões a evidência que há também não é robusta. Existem alguns estudos feitos em ratos que mostram um ligamento com maior resistência às quatro semanas pós tratamento porém essa vantagem já não era visível às seis semanas. Os estudos que foram feitos em humanos tinham algumas limitações metodológicas e revelaram-se inconclusivos.

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Conclusão

A OTH tem a capacidade de aumentar a quantidade de oxigénio disponível e interferir nas primeiras fases da lesão ao reduzir o edema e a inflamação, mitigar a lesão isquémica, melhorar a síntese e deposição de colágeno e induzir a formação de novos vasos. Esses mecanismos subjacentes têm o potencial de ajudar no processo de cura entre atletas lesionados. A última meta-análise e revisão sistemática relativamente ao uso de OTH para lesões desportiva  ainda sugere que a OTH é ineficaz para DOMS e a sua indicação não consta nas recomendações do Consenso Europeu de Medicina Hiperbárica. Os estudos em humanos são escassos, apesar do uso generalizado da OTH entre atletas. São por isso necessários mais estudos científicos rigorosos antes de concluir se a OTH pode facilitar ou não o retorno à competição dos atletas. 

Apesar desta modalidade terapêutica no futuro poder revelar-se útil como modalidade complementar na recuperação dos atletas se aplicada nas primeiras horas após a lesão, existem outras que comprovadamente se revelam cruciais para otimizar a recuperação e o rendimento: a nutrição, o repouso e uma otimização na gestão de cargas no processo de reabilitação.

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Artigo por: Dr. Ricardo Miranda