Conheça a incrível história de superação de Susana Mateus, que partiu o pescoço aos 15 anos e que, ainda assim, deu a volta por cima, sagrando-se Campeã Nacional de Triatlo, 14 anos depois.

Nascida em Sines, Susana Mateus era uma «menina do mar». Neta, filha e irmã de nadadores salvadores, numa família que ao longo de muitos anos geriu a concessão da praia de Sines, começou cedo a tratar o oceano por «tu». Aos dez anos, tomou a iniciativa de entrar para a natação e pouco depois, o treinador da competição do Vasco da Gama Atlético Clube, que já a conhecia desde pequena, convidou-a a saltar a parte da aprendizagem e treinar à séria na competição. “Soube mais tarde que o meu avô pouco antes de falecer o havia feito prometer que me ensinaria a nadar bem”, conta.

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Dedicou-se à natação com afinco e somou “dezenas de títulos de campeã regional, ia a finais em meetings internacionais e era top 10 nacional absoluto de natação. A minha vida era aquilo”, sublinha. As ambições cresciam ano após ano, até ao verão de 2005.

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“Podia ter dado a volta ao mundo, mas estive numa cama sem me mexer”

Aos 15 anos, Susana conhecia a praia de Sines como a palma das mãos, pois era ali, desde sempre, o palco dos mergulhos infindáveis do nascer ao pôr do sol. Um dia, em Agosto de 2005, tinha acabado de sair da praia quando um amigo lhe contou uma má notícia. Para se acalmar, disse-lhe que precisava de ir “para dentro de água para me sentir melhor. Foi quando dei um mergulho, igual a tantos milhares que já ali tinha dado, que bati com a cabeça na areia”.

Susana não percebeu logo o que tinha acontecido. “Parece que adormeci e quando «acordei», ainda debaixo de água, queria levantar-me e não conseguia. Queria tirar o cabelo da frente da cara para conseguir respirar e as mãos durante uns momentos não mexeram”, lembra. O corpo estava a dar sinal de que algo não estava bem, e Susana saiu da água assustada e foi sentar-se na areia a chorar. Só depois foi ter com o nadador-salvador, amigo dela, para contar o que tinha acontecido, dizendo que estava com as mãos dormentes, mas que “não era necessário ir ao hospital pois já estava bem, não tinha passado de um susto e só queria ir para casa”. Felizmente, ele convenceu-a a sentar-se e a não se mexer até à chegada dos bombeiros, imediatamente a imobilizaram e levaram para o hospital: “até aqui ainda não me tinha apercebido da sorte que tinha acabado de ter por não me ter mexido mais”.

Com 31 anos, estas ainda são memórias difíceis para Susana. “Quem me deu a notícia foi o meu irmão. Após horas de espera e exames sozinha sem saber o que se estava a passar nem se a minha família sabia de mim, o meu irmão apareceu e disse «Susaninha partiste o pescoço e vais ter de cá passar a noite»”, recorda. Na verdade, não foi uma noite, foram 80, “podia ter dado a volta ao mundo mas estive deitada numa cama sem me mexer”.

Dar a volta por cima

O caminho da recuperação previa-se longo e os médicos chegaram a dizer que Susana não voltaria a nadar. O ano lectivo começou sem a atleta que “todos os dias tinha esperança de no dia a seguir poder levantar-me e voltar para casa” até ao dia em que desistiu “de tentar pensar no amanhã. Limitei-me a estar ali sem me mexer e esperar que todo aquele pesadelo terminasse”.

Para uma adolescente de 15 anos, foi um embate “muito duro, triste e revoltante. Sentia ter acabado de perder tudo na vida e não merecia o que estava a passar. A única coisa que me dava ânimo era pensar que só podia estar grata por saber que um dia voltaria a andar”.49103556_1513289162134957_7137798267957411840_n

As pequenas vitórias começaram a dar alento a Susana que, depois de mais de dois meses na cama, passou a usar um colete metálico que lhe sustentava o pescoço e lhe permitia levantar da cama para fazer fisioterapia para recuperar os movimentos. Os cerca de nove meses que passaram entre a hospitalização e a colocação do colar cervical, já depois do colete, foram menos do que o que os médicos previam. Por ser atleta, “a recuperação física foi mais rápida, mas as mazelas de ter estado acamada tanto tempo continuaram a sentir-se durante bastante tempo”, afirma.

 

“A natação tornou-se uma relação de amor-ódio”

O desporto de que tanto gostava acabou por ser fundamental para a recuperação. Susana voltou a nadar como parte da fisioterapia assim que tirou o colar cervical e “passado um par de meses já estava novamente federada e a ir a provas. Ainda competi duas épocas, mas a certo momento todo aquele entusiasmo e gratidão de estar de volta transformou-se em frustração por não conseguir obter os resultados que tinha antes do acidente mesmo com todo o meu esforço diário”. As limitações físicas ainda estavam presentes e Susana, que não conseguia treinar como desejava, “não soube, nem queria, voltar a lidar com a desilusão”. E desistiu. “A natação tornou-se uma relação de amor-ódio. Emocionava-me sempre que me aproximava de uma piscina e não conseguia compreender como aquilo que eu tanto amava me estava a magoar tanto”. Precisou de se afastar por sete anos, para regressar aos 25 à natação. Chegou, viu e venceu. Bateu recordes nacionais na categoria master (+ de 25 anos) e alcançou o quarto lugar no Campeonato da Europa.  86727294_1890756377721565_247471415685545984_n

 “Ter-me sagrado campeã nacional na Praia de Sines teve um sabor especial”

Aos 28 anos, em 2017, Susana dá um passo fora da área de conforto e lança-se no Triatlo, “sempre achei um desporto fascinante e quis experimentar, pois sempre adorei andar de bicicleta e correr. Foi a cereja no topo do bolo começar a praticar do zero um novo desporto com diferentes desafios e sem referências, mas ainda assim continuando a nadar. Foi uma oportunidade de começar uma nova história sem precedentes nem pressões”.

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Susana aventurou-se no Triatlo com uma garra diferente. E quis o destino que cerca de dois anos depois de ter começado, se sagrasse campeã nacional (segundo lugar da geral) na distância Standard (1500m a nadar, 40km a pedalar e 10km a correr) exactamente na Praia da Sines, o que, garante, “teve um sabor especial, porque demonstrei a mim própria que eu sou capaz de fazer tudo aquilo que eu quiser, aconteça o que acontecer, pois maior que as minhas desculpas é a minha vontade”. Com a família e os amigos a apoiar, no sítio onde tinha feito o primeiro triatlo, dois anos antes, numa praia de tão boas (e tão más) memórias, Susana tornou possível o impossível: “Diziam que não voltaria a nadar e passado 14 anos lá estava eu naquele mesmo sítio do acidente a nadar, pedalar e correr a um nível que nunca imaginei ser possível”, conta.

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Aprender a ser triatleta

Aos 31 anos, a triatleta continua a sentir-se mais à vontade, claro, no segmento da natação “embora lhe despenda pouco tempo” e revela que a sua maior dificuldade se centra nos “pormenores técnicos de quem pratica triatlo há pouco tempo (transições, técnica e tática de prova na bicicleta, alimentação em provas longas). São pormenores que se vão aprendendo com a experiência”.

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A Técnica de Análises Laboratoriais explica que “dependendo do mesociclo, tenho planificado em média 12 horas semanais distribuídas por natação, bicicleta, corrida e treino físico (reforço muscular, mobilidade, alongamentos…)”

Este ano começou, para Susana, com uma fractura na tíbia e uma queda de bicicleta. “Quando estava finalmente recuperada e pronta a treinar na rua veio a pandemia, que me obrigou a pedalar em casa no rolo e a correr na passadeira. As piscinas fecharam imediatamente e só reabriram em Setembro, o que me obrigou a ir nadar na praia”, afirma, adiantando que “embora tenha tido momentos em que já nem sabia para o que estava a treinar devido às provas estarem a ser canceladas, consegui manter o foco pois por mais que eu goste de competir, tenho igualmente um gosto muito grande em treinar”.

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As provas de 2020 foram poucas, mas a nível de resultados, a atleta “não podia pedir melhor. Superei-me prova após prova de uma forma que nunca imaginei ser possível. Todas elas tiveram as particularidades para serem especiais, mas o Triatlo de Oeiras creio ter sido o momento mais marcante, pois consegui correr pela 1ª vez abaixo de 4 min/km e ganhar a prova à geral” destaca. Também no Setúbal Triathlon foi 2.ª classificada da geral (ver última foto).

Desde Novembro, Susana Mateus conta com o apoio do treinador Pedro Quintela. “Infelizmente o meu histórico de lesões nem sempre me permite consistência nos treinos e o Pedro tem a preocupação constante de ir adaptando os treinos consoante me sinto e o corpo permite, sempre com a máxima paciência, compreensão e optimismo. É também um treinador muito presente. Embora treinemos à distância, sei sempre que a qualquer momento posso contar com ele para o que for necessário”, conta.

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Além disso, Pedro Quintela transmite a Susana “muita confiança nele e no trabalho dele e incentiva-me a ter confiança em mim própria e nas minhas capacidades. Não se foca apenas nos meus resultados e no cumprimento dos treinos, mas na minha disponibilidade física e pessoal. Sem dúvida que sem ele não teria os resultados que tive ao longo desta época”. 122280095_1526544907544162_1422331263380286404_o

Como qualquer triatleta, Susana conta que o maior objectivo será sempre “equilibrar os três segmentos o melhor que conseguir". Diz-se “sonhadora e ambiciosa”, mas de “pés assentes na terra, para fazer sempre mais e melhor”. Confessa, à semelhança do irmão, que competiu em motocross, não ser muito “confiante das capacidades nem a pessoa mais optimista do mundo”. No entanto, partilha com ele o espírito competitivo “somos muito focados e trabalhadores e quando chega a hora H vamos buscar forças que nem sabíamos existir e acabamos por nos superar. Creio ser assim em todas as vertentes da minha vida e foi isso que de bom o desporto me deu desde pequena: levar a vida atrás de sonhos, objectivos e paixões que me dão ânimo ao acordar e um sorriso ao deitar”.

E, para a vida, já lhe ficou uma lição: “gosto em trabalhar em prol de uma concretização, mas tento apreciar ao máximo o caminho percorrido, pois não se sabe o dia de amanhã”.

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Autores
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Cátia Mogo