Mensalmente, este "Running Couple" vai começar a trazer-lhe a sua experiência em trails e como tirar o melhor partido deste desporto, ao mesmo tempo que desfruta da paisagem e enriquece o seu tempo de lazer e as suas viagens. Leia já a primeira crónica!

Março de 2020: todas as provas canceladas. Resignação ou reinvenção? Este casal de corredores optou pela segunda opção. Das provas de estrada aos trails em total autonomia e isolamento social foi apenas o tempo da preparação.

Desde Agosto de 2020 até Agosto de 2021 foram 30 trails, realizados de norte a sul, fazendo a descoberta de um país que ainda hoje nos deixa pasmados. Já o tínhamos visitado nos vários cantos, NUNCA o tínhamos conhecido nem sentido como agora.

Vamos passar a partilhar essa experiência com os leitores da Pro Runners porque o que aprendemos pode ajudar e inspirar outros como nós. Partida!

 

Trail:  “O Caminho onde o Morto Matou o Vivo”

lista_novembro01 

O primeiro trail partilhado tinha de ter a designação mais misteriosa, inclui um troço com um estranho nome: “O Caminho onde o Morto matou o Vivo”. Assim que soubemos disto, o trail ficou no topo das nossas prioridades! Este percurso oficial de São Pedro do Sul inclui precisamente, nos seus últimos 3km, o mítico caminho que antes não era sinalizado e apenas do conhecimento dos populares da região.

Fizemos o percurso no sentido recomendado, pelo que o “troço” tão aguardado ficou para o fim, no sentido ascendente.

runningcouple (5)

Pormenor da Rota da Cabra e do Lobo

runningcouple (6)

Antes de se chegar ao misterioso trilho há muito que percorrer. Na primeira etapa, vai-se ganhando a serra num percurso moderadamente íngreme e sem dificuldades de maior, até se atingir um plateau elevado da Serra de São Macário, onde é possível fazer um pouco de Sky Running, num piso muito técnico. A leveza do ar e a paisagem, numa manhã clara, são verdadeiramente deslumbrantes.  

runningcouple (1)
Parte inicial da rota. Começar de manhã cedo, de preferência antes do nascer do sol, permite chegar ao topo e desfrutar da sensação de estarmos “acima das nuvens”

 runningcouple (14)S. de Macário – descida do plateau

runningcouple (7)Troço de acesso a aldeias perdidas

Mais adiante inicia-se uma segunda etapa, um troço em descida, salpicado de fragas e matagais dispersos, até cruzarmos duas aldeias silenciosas que parecem perdidas no tempo, com os seus ribeiros cristalinos e pequenas florestas envolventes, onde o percurso continua fascinante e onde é possível fazê-lo em modo trail running com alguma facilidade.

runningcouple (3)

Vista de um trecho do “caminho do morto que matou o vivo”

Finalmente alcançamos o percurso desejado: dois espantalhos, que alguém se lembrou de um dia fazer, esfarrapados e já meio desfeitos pelo tempo, assinalam o início do fatídico “caminho onde o morto matou o vivo”. Com um ganho de elevação significativo, o trilho apresenta piso muito irregular, com troços em maciços graníticos humedecidos por musgo perpétuo, com pedra por vezes solta, desenvolvendo-se em grande parte da sua extensão paralelamente a uma ribeira com quedas de água.

 runningcouple (9)

 “Caminho do morto que matou o vivo”

runningcouple (2)

Power hiking para evitar quedas

Correr neste pequeno troço é um permanente convite a uma boa “escorregadela”: completamo-lo em modo power hiking, quase integralmente.

Os percursos que escolhemos são trilhos pedestres sinalizados de pequena rota (PR), ou partilhados na internet, em várias plataformas e blogs, que descarregamos em formato GPX.

Dica#1: nunca fazer um trail em autonomia total sem uma base de orientação; optar por um percurso sinalizado ou utilizar um GPS (de preferência, as duas coisas). Neste caso, o percurso estava bem sinalizado, nem foi preciso recorrer ao GPS.

Dica#2: começar ao nascer do sol (ou de preferência, um pouco antes) eleva em muito a probabilidade de se ficar “acima das nuvens”; estudar o perfil de altimetria também ajuda a perceber se nesse momento vamos estar no alto, a subir (desejável) ou a descer.

Este trail está no top 5 dos que fizemos até hoje, pela sua diversidade (trilho em encosta de montanha, ribeiras com quedas de água, vegetação cerrada e por vezes luxuriante), desafio e muita beleza. Todo o percurso é selvagem, bonito e desafiante, sendo até algo injusto resumi-lo só ao “caminho onde o morto matou o vivo”.

runningcouple (13)

E já é tempo de explicar como diabo um morto pode matar um vivo, certo?

Em tempos idos, quem morria na remota Aldeia da Pena, onde não havia cemitério, era transportado aos ombros por um trilho pedregoso, estreito e sinuoso, de declive íngreme, que levava cerca de uma hora e meia a percorrer, até à aldeia Covas do Rio, onde se situava o cemitério mais próximo. Reza a lenda que numa ocasião, um dos aldeões que carregava o caixão escorregou e o caixão com o morto dentro, abateu-se fatalmente sobre o pobre aldeão: o morto havia matado o vivo!

Quem percorrer o caminho, perceberá como o trágico acidente poderá facilmente ter acontecido!

runningcouple (10)

Lá ao fundo, a Aldeia da Pena onde começa o percurso

BREVEMENTE...

Próxima partilha: vamos subir à Rocalva, no Gerês, e homenagear as mariolas ou antes à Serra da Lousã e caminhar por uma levada a transbordar? Hum…ainda vamos decidir mas será um destes dois (aceitam-se indicações de preferência!). Até Dezembro!

Autores
---
The Running Couple