Leia, na íntegra, a entrevista de José Massuça à Pro Runners Magazine.

Foram cinco provas de IronMan, durante cinco dias, em cinco ilhas do Havai. José Massuça tornou-se o primeiro português a realizar com sucesso o Epic 5. Quatro anos depois, competiu no IronMan Cascais – naquela que foi a primeira vez que a prova passou pelo nosso país – lesionou-se e mesmo assim não desistiu.

PRO RUNNERS - Recorde-nos como começou o seu percurso no desporto...

JOSÉ MASSUÇA - Em criança era o gordinho da família, sempre fui o baixinho, “atarracado” como dizem no Alentejo, sem qualquer talento para a bola com os amigos (era sempre o último a ser escolhido paras equipas), mas nunca desisti de querer participar (nem que fosse à baliza).

Hoje, se calhar, chamavam os pais das outras crianças à escola porque estavam a fazer bullying e eu coitadinho estaria a ser vítima. Hoje acho que “almofadamos” demais o processo de crescimento… mas isso é outro assunto.

Mas eu nunca desisti de tentar, de pedir para jogar e de aproveitar cada oportunidade que tinha, e isso foi construindo carácter. Sem saber que o estava a fazer aprendi a ser paciente e esperar pela oportunidade, a ser resiliente e persistente na tentativa de participar, a aceitar quando não me escolhiam não como derrota ou falhanço, mas como oportunidade de ficar de fora a avaliar os pontos fortes e fracos dos outros para os poder desafiar, e quando entrava sabia que tinha que dar tudo, tinha que me superar. Com o passar do tempo comecei a descobrir alguns desportos onde até me desenrascava e em alguns até já era eu que escolhia as equipas. Nunca desisti e nunca deixei de ter um sorriso, e isso serviu para o resto da vida.

Depois percebi que o triatlo tinha um “encanto” peculiar. Especialmente aquelas provas nos primórdios do desafio Ironman no Hawai, com tremendas lutas entre Dave Scott e Mark Allen como a de 1989 em que conseguem fazer quase toda a maratona lado a lado sem dizerem uma palavra e sem se conseguirem derrotar mutuamente. Toda aquela superação era algo extraordinariamente inspirador. Mas ao mesmo tempo era algo completamente inalcançável para mim, um simples mortal.

Por isso fui apostando nas minhas corridas. E assim fui evoluindo nas provas de estrada, aumentando gradualmente as distâncias, até que um dia me lesionei num gémeo e me vi obrigado a estar parado (não podia forçar a perna).

Mas como já não sentia bem ficando sem actividade física, e enquanto não podia usar a perna para correr, fui para a piscina e fazia treinos de natação. Nessa altura lembrei-me então que podia tentar realizar o meu sonho de fazer triatlo. Assim quando a perna melhorou, comecei logo a treinar ciclismo (porque apesar de não poder receber impacto directo com a corrida podia usar a perna para pedalar).

Ainda por cima estava na altura a treinar com o António Nascimento um triatleta de longa distância (que tinha acabado de fazer um Ultraman) e se eu já tinha o bichinho do triatlo convivendo com ele ainda cresceu mais.

Fiz com a equipa dele a primeira prova, curtinha, em Lisboa e nunca mais parei de fazer triatlo. Comecei pela distância Olímpica e fui gradualmente aumentando as distâncias. Aliás desde o início desta minha actividade desportiva que tenho a regra de só passar para a distância seguinte quando me sinto confortável com a anterior.

No triatlo gosto muito da necessidade de foco extra-físico, tens que estar muito concentrado permanentemente em cada uma das modalidades, mas principalmente nas transições e nas necessidades exteriores ao desempenho “muscular”.

Não te podes esquecer de nada, tens que ter tudo muito organizado e o processo de transição a cada nova modalidade tem que estar muito bem treinado. O equipamento é totalmente diferente entre modalidades o corpo usa músculos diferente que é necessário reactivar e testar antes de puxar a fundo e tudo tem que ser feito de forma natural e concentrada/focada pois há algumas regras que tens que cumprir dentro do parque de transição, caso contrário podes ter penalizações que te podem estragar uma prova.

E para além desta concentração e disciplina aprecio bastante a possibilidade de poderes ter um desempenho superior pela capacidade emocional, algo que pouco se treina (e que não é fácil treinar) mas que pode dar-te um extra-boost.

Sempre achei e agora tenho a certeza de que o triatlo concentra três vertentes mentais/emocionais nas suas três modalidades (coragem, espírito de sacrifício e foco) e esse jogo é mesmo muito aliciante.

Não há outro desporto que te desafie de forma tão completa física, mental e emocionalmente como o triatlo de longa distância.

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E em termos de competições, ao longo do seu percurso, quais as principais provas em que entrou?

Comecei a correr para não engordar mais após ter decidido deixar de fumar. E com muito sacrifício fiz os primeiros quilómetros com o pretexto de me preparar minimamente para fazer a corrida do Carlos Lopes e poder estar pessoalmente com esse “herói”, pois era ele que fazia a entrega das medalhas aquém terminasse. Cheguei ao fim, mas quase vomitava em cima do meu ídolo (risos). Jurei para nunca mais. Mas passados uns dias já estava a correr outra vez.

Depois fui evoluindo as distâncias até que aos 42 anos (2013) decidi que teria que fazer a corrida dos 42kms, a maratona.

Depois de várias maratonas e devido a uma lesão, descobri o triatlo e nunca mais deixei este desporto de três modalidades (embora continue a fazer muitas corridas de estrada).

No triatlo comecei por fazer um com a distância olímpica em Lisboa e novamente fui evoluindo as distâncias (sempre que me sinto confortável com uma distância avanço para a seguinte).

Em poucos anos estava a fazer o meu primeiro Ironman completo (3,8kms a nadar, 180kms de ciclismo e uma maratona no final). E decidi logo fazer aquele que é considerado por muitos como o mais duro Ironman do calendário, o Ironman de Lanzarote (2014). Posso dizer-vos que foi mesmo muito duro, mas a alegria de completar o desafio foi de igual ordem de grandeza. Foi uma sensação de realização extraordinária, algo inexplicável de tão intenso e marcante. Achei que não haveria nada de maior realização do que isso. Estava enganado!

Em 2015 aventurei na realização de um Ultraman (10kms a nadar, 422kms de ciclismo e dupla maratona, 84kms a correr). Esta é uma prova efectuada em 3 dias com divisão de modalidades pelos dias de prova. Mas tendo sido realizada no país de Gales acrescentou ao desafio a água gelada do lago onde nadámos e o tremendo acumulado positivo de desnível que o percurso apresentava tanto no ciclismo como na corrida.

Nesta prova em que o atleta tem que garantir a sua própria assistência, levei pela primeira vez a minha família (esposa e filhos) como apoio directo em contexto de prova. E ter esta equipa a levar-me até ao fim de uma duríssima prova, partilhando e superando em conjunto dores e dificuldades e no final de cada dia festejarmos juntos o sucesso da etapa, foi das maiores realizações da minha vida, mais ainda quando no final percebemos que fizemos em conjunto algo importante em termos de superação e resiliência.

Em termos desportivos tive ainda a alegria de em 2016 ter feito um 7º lugar no Campeonato da Europa de Triatlo de Longa Distância com 9h54m51s.

Com estes resultados surgiu o convite para em 2017 participar no EPIC5.

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Que tipo de treinos faz e como se prepara para as competições?

Treino há já 5 anos como José Estrangeiro que tem feito comigo um trabalho extraordinário, nem tenho palavras para descrever a paciência que tem comigo. Eu sei que não devo ser um “atleta” muito fácil, até porque tenho uma vida profissional que me obriga a estar fora de Portugal por longos períodos e em locais onde nem sempre é fácil cumprir os planos de treino, mas para além de uma enorme amizade temos uma relação de muita confiança e admiração mútua e isso ajuda a resolver todas as situações e obstáculos. Os treinos obedecem a ciclos de preparação e são durante grande parte do ano treinos bidiários ou com blocos contínuos de modalidades diversas (bricks).

Os volumes e intensidade dos treinos também varia de acordo com a aproximação ou não a datas selecionadas para competir, e na verdade nestes últimos anos com todas as perturbações conhecidas na realização de eventos (também) desportivos tem sido necessário recorrer a uma enorme capacidade de automotivação para treinar não sabendo se a prova prevista se iria realizar ou não. Mas foi mais um desafio à resiliência de quem pratica este tipo de desporto.

No entanto acredito que para os treinadores e quem planeia treinos e picos de forma para determinados momentos não tenha sido um período fácil. Para mim o difícil foi ficar sem os eventos, os encontros, as partilhas em ambiente competitivo.

Para além do treino, cumpro com planos de recuperação muscular (isto aos cinquenta já precisa de mais tempo para recuperar…) indo regularmente a sessões de massagens e mantenho alguma disciplina com a nutrição e hidratação.

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Passaram quatro anos desde que competiu no Epic5, como vê agora a sua prestação na prova?

O tempo passa mesmo muito rápido…. Já passaram 4 anos e praticamente todos os dias me recordo dessa prova de alguma forma! Está mesmo muito presente.

Perante esta pergunta a primeira sensação é a de que é necessário começar a pensar em ir lá renovar os votos (risos).

Mas respondendo à questão, e a esta distância, vejo que foi realizado algo de verdadeiramente transcendente, aliás de cada vez que agora termino um ironman pergunto-me como fui capaz de fazer outros quatro consecutivamente. E se até para mim, que o fiz, que estive lá e o vivi, me parece algo surreal, só posso imaginar que para as outras pessoas que apenas assistiram à distância tudo se possa apresentar verdadeiramente absurdo, a tocar a loucura na utilização da capacidade física.

E eu sempre tive algum receio de que não compreendendo o que é o processo consciente de testar os limites, a capacidade de resiliência e o espírito de superação, algumas pessoas simplesmente rotulassem de maluquice o que tinha sido conseguido, sendo que um dos objectivos era exactamente o contrário, o de levar a que cada um de nós, à sua maneira e com os seus condicionalismos tentasse descobrir onde estarão os seus próprios limites. E o mais estranho é que descobrimos sempre que os nossos limites estão muito mais além do que inicialmente imaginamos.

E na verdade, na prova, esse foi o espírito diariamente. Todos os dias se redefiniam os limites para todos os participantes e todas as equipas se entreajudavam no apoio aos atletas. Mesmo os que entretanto foram desistindo, tudo faziam para acompanhar e apoiar de alguma forma os que continuavam em prova. Perante as contrariedades redefinem-se os objectivos e reinventam-se desafios.

E sinto nas palestras que tenho dado nas escolas e a vários grupos de atletas, que os nossos jovens precisam e gostam de ser desafiados. Eles querem, naturalmente, redefinir limites, constantemente. E nós, os mais velhos, temos “a mania” de lhes castrar a vontade, o sonho. Quando o que devemos fazer é orientar, focar essa vontade para objectivos construtivos. Só que isso dá mais trabalho e é muito mais fácil dizer que não podem e simplesmente proibir que o façam.

Na verdade recebi inúmeras manifestações de congratulação pelo feito e uma das que mais me tocou foi exactamente de um enorme triatleta do pelotão nacional que me disse “o que fizeste não é o que mais gosto, nem entendo bem o porquê, mas muitos parabéns pelo que conseguiste, não é para todos”.

Considero que em termos de visibilidade nacional o triatlo de longa distância possa ter sido beneficiado com a participação de um português neste desafio e acredito igualmente que o seu relato e acompanhamento por alguns media tenha auxiliado na percepção da resiliência necessária e níveis de superação que se conseguem numa modalidade como esta, o que pode ter motivado à vinda de mais atletas para este mundo.

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Continua a ser o único português a ter participado no Epic5. O que é que esse feito isso significa para si?

No EPIC5 ainda sou o único português a ter participado, mas temos outros Portugueses a fazer outros desafios e até maiores.

No entanto o EPIC5 é icónico na modalidade e ter sido o primeiro a conseguir estar numa linha de partida já era um orgulho enorme, ter conseguido chegar à meta e ainda por cima com o melhor tempo de todos os “sobreviventes” mais acrescentou ao orgulho de representar Portugal.

Nós somos um povo enorme, com uma capacidade de superação que considero muito acima da média e temos uma resiliência e forças de vontade que desde sempre foi nossa imagem de marca, não podemos deixar morrer estas nossas características, temos que a reavivar e fortalecer naquilo em que cada um se considere capaz. Eu espero ter feito um bocadinho pela manutenção e crescimento do orgulho e alma Lusitana. Somos maiores do que pensamos.

 

Mas afinal o que o levou a participar no Epic5?

Para melhor perceberem a minha resposta a esta pergunta, deixa-me declarar que nada me deixa mais exasperado do que assistir a desperdício de talento, seja isso em contexto profissional, desportivo, académico ou social. Inquieta-me igualmente observar que muitos de nós se autolimitam na procura de níveis de excelência, seja por acomodação, insegurança, imposições, preguiça ou “simples” desistência. Não aceito que me digam que não sou capaz… tenho que o tentar e comprovar para ter a certeza que não consigo.

Assim quando surgiu o convite para participar, acreditando que tinha o talento necessário para um bom desempenho e sabendo que era a primeira vez que convidavam um português, não tive como recusar, nem faz parte da nossa herança de navegantes do desconhecido e descobridores de outros mundos recusar um bom desafio.

Após aceitar o desafio, a presença só se confirmou com a ajuda e o acreditar de um amigo que me conseguiu o apoio financeiro necessário para estas aventuras.

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Como foi competir numa prova com este nível de exigência?

Gostava de começar por referir que o que custa mais é a preparação, a prova é a parte fácil (risos). Olhando para a nossa frente num desafio como o EPIC5 tudo nos parece imenso, mas também um Ironman parece colossal quando comparado com um Maratona, e uma Maratona parece tão infindável quando só conhecemos corridas de “apenas“ 10kms. Podia dizer que é tudo uma questão de escalas.

Mas a verdade é que nunca pensei muito na distância, na dimensão, foi sempre um desafio para ser alcançado passo-a-passo, sem queimar etapas, sem ultrapassar red-lines e a apreciar cada momento. No entanto e apesar destas “regras” e de todos os cuidados este desafio foi um verdadeiro teste aos limites da coragem, do sacrífico e do foco.

Houve momentos de enorme prazer, outros de muito sofrimento, mas principalmente houve uma enorme sensação de realização, de superação e de plenitude comigo mesmo, de perfeita sintonia entre corpo e mente, porque quando te aproximas do limite todas as tuas “peças” têm que encontrar o ponto de equilíbrio, caso contrário descarrilas.

Num desafio desta exigência mais do que a necessidade de suportar a fadiga e as dores musculares (que tens garantidas) é essencial estar preparado mentalmente para a tremenda luta entre o teu corpo que te diz que já chega, que não quer mais, que tens que parar e a tua cabeça que te grita que não podes, não queres, que não vais parar. E em cima desta refrega lembras-te com frequência em todos aqueles que te ajudaram a estares ali e que ao teu lado em permanência tentam que chegues à meta.

E então descobres que a tua maior força é o querer e que a tua maior motivação é saber que acreditam em ti. É incrível como algo tão solitário como uma prova de ultraresistência se pode decidir pela força dos laços de amizade, confiança e trabalho de equipa.

O segredo, a “cola” que ligou o físico com o mental foi o emocional. E curiosamente foi esse componente (o emocional) o que no fim chegou mesmo no limite.

A carga emocional de um desafio destes é que é mesmo brutal, e disso eu não estava à espera!

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Como é que se preparou para essa competição, em termos de treinos, alimentação...?

Em termos de treino técnico, para um desafio como o EPIC5, a grande diferença está nos volumes de treino. E quando digo volumes nem se trata de treinos maiores num só dia, refiro-me sim a volumes acumulados na semana de trabalho.

Tentámos ao máximo replicar a carga contínua de esforço que o corpo iria receber durante os cinco dias de prova e em simultâneo procurámos simular o limitado tempo de recuperação entre os vários dias de prova.

Tive semanas de 35 horas de treino agregado e muitas horas de bicicleta que por razões logísticas foi necessário fazer em casa, no rolo. E isso foi mesmo uma componente importante para o treino mental, para a necessidade de manter o foco em simultâneo com o essencial espírito de sacrifício.

Uma das necessidades, no contexto desta preparação, foi a de variar o treino para não criar monotonias que desgastam e diminuem essa capacidade de foco. E nesse aspecto optámos (eu e o meu treinador, o José Estrangeiro) por fazer alguns treinos em prova, o que foi uma excelente ideia pois assim também testamos o nosso registo mais competitivo e isso, no EPIC5, veio a revelar-se muito importante, particularmente no último dia quando me vi na frente da prova com hipótese de vencer, mas a ter que lutar por isso com o atleta espanhol que estava relativamente próximo.

Em termos de preparação também tivemos que observar uma alimentação mais regrada e equilibrada, mas muito variada e com aporte nutritivo e calórico suficiente para o enorme desgaste esperado. Neste importante aspecto da preparação recorri ao apoio de uma nutricionista com muita experiência no acompanhamento de atletas, e de atletas de ultra distâncias, a Dra. Filipa Vicente que me planeou a alimentação em período de treino e também me acompanhou em prova.

Para além destes observaram-se ainda outros aspectos importantes da preparação, como a fisioterapia de recuperação, a escolha e fitting dos equipamentos a utilizar e ainda, a parte mais importante da preparação, o equilíbrio familiar, garantindo que as muitas horas de treino eram realizadas em partilha entre todos os membros da família. Muitas vezes fui correr com o meu filho a acompanhar-me de bicicleta, nadei com a minha filha na mesma piscina, e em algumas provas de águas abertas, e tive sempre a minha melhor metade (a minha esposa) a controlar toda a logística e a garantir que não tinha que me preocupar com extra desafio.

Na verdade, a presença e integração da família neste desafio foi essencial desde a tomada de decisão em participar. Aliás a decisão final de embarcar neste desafio foi deles, eu apenas coloquei a hipótese sobre a mesa e revelei a minha enorme vontade de aceitar o convite para participar, a decisão (a autorização) foi deles. E inicialmente até estava previsto que a minha equipa de apoio durante a prova (tal como foi nos três dias do UltraMan no país de Gales) seriam eles.

Acontece que por instruções da organização, devido à possibilidade de grande privação de sono, aconselharam a que a equipa fosse mais sénior e experiente. Depois de muito ponderar, e novamente por decisão deles (que muito custou a todos), optámos por que os meus filhos não acompanhassem fisicamente o desafio desta vez. Em boa hora o fizemos, pois, a privação de sono foi mesmo um factor muito pesado na equipa (na penúltima noite em prova dormimos 2h30minutos e na última 1h45minutos, foi duro). Mas estiveram sempre comigo, em todos os momentos. E no fim da prova tinha um sms do meu filho que dizia simplesmente isto: “Pai, ORGULHO”. Todo o esforço valeu a pena naquelas duas palavras.

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Como era a sua rotina durante os 5 dias da competição?

A rotina em prova variou de dia para dia de acordo com a necessidade de viajar entre ilhas de manhã ou se essa viagem era efectuada de noite (após conclusão de etapa)..

Assim, no primeiro dia em Kauai foi: despertar, comer, arrumar as bagagens, nadar, pedalar, correr, voar para Oahu, hotel, descansar.

No segundo dia acordei já em Oahu e foi “só”: despertar, comer, nadar, pedalar, correr, massagem e descansar.

Na manhã do terceiro dia voámos de Oahu para Molokai e a rotina foi: despertar, comer, voar, nadar, pedalar, correr, massagem e descansar.

Na quarta etapa também voámos de manhã, de Molokai para Maui, e aí a rotina foi a mesma que no dia anterior. Despertar, comer, voar, nadar, pedalar, correr, massagem e descansar.

No quinto dia a rotina foi também idêntica à do dia anterior, apenas com a cada vez maior redução de tempo para descansar, pois terminava cada vez mais tarde a etapa anterior o que me deixava com menos tempo para descansar, sendo que os voos também eram cada vez mais cedo no dia seguinte. Voámos então de Maui para Kona com apenas 1h e 30minutos de sono, para tentar concluir o último dia do desafio e com a pressão de estar em primeiro lugar, e só dependendo de nós vencer ao Epic5 de 2017. A rotina foi a mesma (mas com muito mais tensão), despertar, comer, voar, nadar, pedalar, correr, chorar, correr, chorar, chorar, celebrar, celebrar, celebrar, celebrar…. e descansar., celebrar, celebrar!!!!

Pelo meio de todas estas actividades a equipa tinha que ir levantar o carro alugado em cada uma das ilhas, carregar todas as bagagens, tratar da montagem e desmontagem da bicicleta para poder voar embalada e ainda fazer as compras necessárias de comida e bebida para cada etapa. Se pensarmos que tudo isto foi feito com uma crescente privação de sono de dia para dia, podemos perceber que a equipa de apoio também teve ser mesmo muito resiliente (ahhh, e ainda tiveram que me orientar, aturar e “carregar” comigo quando eu já estava completamente dependente da sua presença, da sua assistência e da sua percepção de tudo o que estava a acontecer à minha volta…).

 

O que significou para si, em termos de superação, ter participado nesta prova?

Frequentemente esquecemos que os impossíveis são, desde sempre, permanentemente redefinidos e essa é também, com certeza, uma das razões do sucesso e evolução de algo tão fisicamente frágil como o ser humano.

Pergunto até, se olharmos para a história, quantos limites e impossíveis o nosso sangue lusitano já provou não o serem?

O que muitas vezes nos falta em músculo e capacidade física ou mesmo em boas ideias, sobra-nos em coragem, espírito de sacrifício e foco para ir mais além, para nos superarmos e assim empreender e inovar.

Temos, no entanto, que ter consciência de que sempre teremos limites, mas não podemos deixar-nos “limitar” por eles. Devemos sim tentar reajustá-los, alargá-los, redescobri-los permanentemente. E se possível com um sorriso, nem que seja com um sorriso desafiador.

Mais ainda, é importante não nos deixarmos condicionar por limites ou “medos” impostos por terceiros (esses são perigosos). E menos ainda nos devemos deixar condicionar por limitações físicas ou morfológicas. É claro que as características físicas nos podem condicionar de alguma forma, mas não nos devem impedir de usufruir do gosto de tentar. E sei por experiência, que certamente iremos descobrir que somos maiores que esses “condicionalismos”.

A participação neste desafio foi mais uma resposta a esses “limites” com que muitas vezes nos condicionamos e outras tantas nos condicionam. Foi a confirmação de que dificilmente me irei deixar condicionar por limites ou medos impostos por terceiros. E muito menos me deixarei condicionar por limites físicos, morfológicos ou etários. Cada um de nós deve tentar descobrir os seus limites, e consciente de que os seus são só seus e serão diferentes dos de qualquer outro. Esta foi até hoje a maior prova de superação que já experienciei.

 

A Epic5 foi a competição da sua vida?

O EPIC5 foi sem dúvida um desafio marcante no meu percurso. Mas outros desafios houve que à sua maneira, na sua dimensão e no momento em que aconteceram, foram desafios também tremendamente marcantes.

Acredito que o desafio da minha vida ainda o estou a inventar, ou ainda me aparecerá no caminho (risos).

Por exemplo o último IronMan que fiz este ano (em Cascais) foi uma das provas mais difíceis que alguma vez tive que terminar. Exigiu de mim resistência e controle emocional muito para além do que seria expectável.

Tudo porque apesar de estar bem preparado para a prova tive o infortúnio de cair com alguma gravidade aos 30kms do ciclismo e todo o contexto competitivo passou para uma perpectiva de desafio pessoal e toda a capacidade de superação foi revisitada daí até ao final da prova.

Assim, apesar de ter um dedo deslocado e intensas dores do embate na queda, não aceitei o conselho médico para desistir e fiz os restantes 150kms de ciclismo e ainda me aventurei na maratona.

Ao fim dos primeiros 14kms da maratona as dores eram tantas que ao encontrar a minha esposa e a minha filha no público elas imediatamente perceberam que algo não estava bem. Mas num contexto de superação nós agarramo-nos a qualquer coisa e mesmo após longa conversa com elas e estando tremendamente triste pela iminente desistência, eis que passaram alguns amigos em prova que sabendo da minha queda e percebendo a situação me pediram “ajuda para os levar até ao fim”, e eu fui com eles. Fomos juntos… e isto é a parte mais bonita do desporto, mesmo em competição há valores muito mais importantes!

Fui até ao fim com enorme sacrifício, mas tenho a certeza que me iria “doer” muito mais ter desistido. Ainda por cima na primeira prova Ironman no meu país.

Como disse uma das médicas que me assistiu na queda (e me colocou o dedo no lugar), quando percebeu que eu iria continuar em prova: “…não entendo esta mentalidade desportista!!!”, mas sei que a respeita.

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Competiu no Iron Man Cascais 2021, recentemente, fale-nos dessa experiência.

Sim. Comecei a competir, terminei a superar-me e a testar a minha resiliência (risos)

Mas como já disse, foi o primeiro triatlo de distância longa da marca Ironman em Portugal e tinha mesmo que cortar a meta, nem que fosse de gatas.

 

Quais são os seus próximos objectivos em termos desportivos?

Na verdade não tenho nada definido em termos de provas ou desafios extraordinários para o futuro próximo, embora ande aí pelo ar a hipótese de um mega desafio, vamos ver.

Mas gostava muito de desenvolver e multiplicar as conversas motivacionais que vou tendo pelo país e em particular junto dos jovens.

Passar a mensagem de que usem e explorem as suas capacidades, não desperdicem talento, mas também não tentem queimar etapas, não saltem degraus, cumpram as fases necessárias para uma sustentada evolução. Não tentem fazer algo mais avançado sem consolidarem o patamar imediatamente anterior e preparem-se para tudo, para o bom e para o mau.

Para que construam um saber alicerçado em experiência própria (porque cada experiência será por certo diferente para cada um de nós) e percebam que o nosso único adversário somos nós.

E se eu puder ensinar pelo exemplo já venci o meu próximo desafio.

 

Qual a prova que ainda sonha fazer?

Gostava de um dia poder desafiar os netos a terminarem uma prova de triatlo longo comigo. (risos)

Entrevista realizada no ambito da Revista Pro Runners n.º 08. Comprar AQUI

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