Que tal celebrar o Dia Internacional da Família (15 de Maio) de forma diferente, com uma aventura nas montanhas?

O Dia Internacional da Família é já este sábado e é a oportunidade ideal para passar tempo de qualidade com os filhos, na montanha, a caminhar na natureza. Comece por um percurso mais pequeno, em trilhos marcados e aventure-se, para passar tempo de qualidade com os seus.

Se está reticente, acha que os seus filhos são muito pequenos e acredita que não é possível propor-se a este desafio, então conheça a história do casal Jemima Kiss e Will Whipple, que percorreram um trilho de 180 km na Califórnia com os filhos de 8 e 11 anos.

Jemima Kiss contou, na primeira pessoa, ao The Guardian, a história do desafio que a ensinou a ela e à família o valor da paciência, da confiança e dos snacks infinitos, que tiveram o poder de transformar a experiência numa memória inesquecível.

Hiking

“Estávamos a menos de três minutos da nossa viagem de mochila às costas quando se deu a primeira birra. O Herbie, o nosso filho de oito anos, queixou-se que a mala estava muito pesada e atirou-a para o chão no parque de estacionamento. Já só faltam 180 km, pensei. Podemos estar a embarcar num pesadelo.

Sabíamos que o nosso hiking de duas semanas pela Serra Nevada [Califórnia, EUA] era ambicioso, mas tínhamos estado a trabalhar nisso há algum tempo. O meu marido, o Will, e eu somos campistas e temos conquistado gradualmente o entusiasmo dos miúdos (o Herbie e o irmão mais velho, Artley de 11), com caminhadas diárias de 15/25 quilómetros. Ir de mochila às costas exige muito amor pelo campismo e pela natureza, muita tolerância à sujidade e ao desconforto, bem como algumas técnicas avançadas de organização - incluindo o planeamento das refeições, a leitura de mapas e uma quase-obsessiva preocupação com a leveza da bagagem.

Para esta viagem, levámos tudo o que a nossa família precisa para sobreviver: tenda, coisas para dormir, roupas, comida (em latas resistentes a ursos), tochas, estojo de primeiros socorros e filtro de água. Para ir de mochila às costas com crianças, levamos também uma quantidade generosa de paciência, a maioria da nossa quota anual de optimismo e determinação para conseguir gostar disto. E snacks, muitos snacks.

Os suaves declives de Sussex [Reino UNido] vão sempre ser-me mais familiares, mas desde que nos mudámos para a Califórnia há cinco anos, que nos deixámos envolver pelas montanhas. A Serra Nevada é incomparável em escala e grandeza, e não há melhor maneira de a ver senão com a nossa própria e esforçada caminhada.

Foi assim que a serra capturou a imaginação de John Muir, o montanhista, escritor e conservador escocês-americano: o trilho que se estende por mais de 320 km de Yosemite até ao Monte Whitney, a montanha mais alta dos Estados contíguos, a cerca de 4.419,6m.

Na altura da nossa viagem, no ano passado, os conselhos oficiais sobre o lazer outdoor na Califórnia durante a pandemia eram contraditórios. Algumas agências estaduais desaconselhavam as viagens não essenciais, outras, nomeadamente parques nacionais como a Yosemite, continuavam a emitir licenças, pedindo aos hikers que usassem máscaras e mantivessem a distância social. A maioria daqueles com quem nos cruzámos seguiam estas indicações, assim como estavam a reduzir ao mínimo as paragens em comunidades rurais e não caminhavam fora do seu Estado.

Os «hikers» mais experientes percorrem o trail John Muir em três semanas, mas nós planeámos fazer a metade norte em duas, começando a meio caminho, num ponto perto do Lago Florence. O trilho serpenteia pela espinha dorsal da High Sierra, por lagos alpinos e por cima de montanhas, através de florestas de pinheiros poeirentos e prados de flores silvestres exuberantes.

Estabelecemos os nossos objectivos antes de começar: isto iria ser difícil, mas iria valer a pena. Foi importante dar algum controlo aos miúdos, para que eles se sentissem empoderados, o que normalmente significou eles caminharem à frente. Eles levavam o mapa, decidiam quando parar para snacks (frequentemente) e escolhiam para que lagos queriam saltar. Esta táctica resultou no Herbie quase pisar uma cobra de mais de um metro no nosso primeiro dia, apesar de, por sorte, ainda ser de manhã cedo e a cobra estar meio adormecida. Foi um «abre-olhos» para o nosso caminho e uma lembrança saudável de que devemos olhar para onde pomos os pés. No que toca aos ursos, a Califórnia acabou com os seus há um século e os restantes ursos pretos que ainda sobram são bastante envergonhados, além de que não há quase hipótese nenhuma de ver algum quando os seus filhos cantam por horas infinitas.

Todas as manhãs falávamos sobre o que tínhamos pela frente, com ênfase nos buracos para nadar e deixando os miúdos escolher quando e o que comíamos. A comida para fazer hiking tem de ser rica em calorias, mas também reconfortante. Começávamos normalmente o dia com papas de aveia, comíamos wraps e manteiga de amendoim ao almoço e depois fervíamos água para fazer uma refeição maior ao jantar. Levámos um sem fim de barras de granola, algumas misturas de bolos crus para fazer sobremesas e inúmeras «surpresas» para elevar o espírito em momentos piores. É difícil queixarmo-nos quando estamos a chupar um Werther’s.

hiking 2

No nosso segundo dia foi o 11.º aniversário do Artley. Demos-lhe fotografias embrulhadas dos presentes dele, para que ele tivesse alguma coisa para desembrulhar (os presentes eram muito pesados para levarmos connosco) e depois do jantar acendi uma vela na sandes de gelado desidratado dele. Acordámos em Senger Creek, um requintado prado de flores silvestres nos limites da floresta e planeámos saltar das rochas nesse dia. (E sim, a actividade deixa-me sempre cheia de medo, mas temos um «sistema», onde eles têm de ir verificar a profundidade da água e os obstáculos potenciais existentes por baixo, e temos uma conversa muito explícita sobre isso de todas as vezes). Os lagos da Serra Nevada são lindos, gelados e muitas vezes cobertos de neve, mas a felicidade destes rapazes torna-os herméticos, pelo que aprendi a acalmar as minhas preocupações. Gosto de chamar a estas paragens «o spa da Serra Nevada», tirando as botas e pondo os meus pés na água gelada. Para nossa delícia, o nosso meio caminho em Red Meadow revelou uma nascente natural de água quente, perfeita para pés e pernas doridas.

Durante duas semanas não tivemos de nos preocupar a gerir o tempo que eles passavam a jogar consola. Em vez disso, os rapazes construíram barragens e pontes em riachos, subiram e nadaram e até, num almoço, passaram uma hora a matar moscas sonolentas para alimentar trutas selvagens. As birras foram em muito ultrapassadas pelas extraordinárias explosões de energia e entusiasmo, especialmente quando estávamos a subir há horas e finalmente aparecia o topo de uma montanha.

Uma noite, o sítio onde tínhamos planeado dormir estava infestado de mosquitos e foi o Herbie que decidiu que tínhamos de continuar. Ele liderou os pais atónitos mais 300 m, até ao ídilico e livre de mosquitos Lago Virgínia, no cume. Já não voltarei a subestimar o que os meus filhos conseguem fazer.

Quando terminámos, tínhamos caminhado 180 quilómetros, cerca de 16 quilómetros por dia, com quase 6 quilómetros de subidas e 7 de descidas. Atravessámos cinco passadiços, o mais alto dos quais foi Donohue a 3,370 m, aguentámos mosquitos implacáveis, bolhas persistentes e um sono terrível. Mas estávamos certos em estar confiantes nas habilidades dos nossos filhos. Eles vão, espero, beneficiar de algumas técnicas valiosas para a vida: perceber de que são verdadeiramente capazes, de como a perseverança leva, mais tarde, a maiores recompensas; o que significa ser encorajado e apoiado para que consigam alcançar algo de bom. Como uma mãe sobrecarregada, tento muitas vezes fazer coisas na vez dos meus filhos, porque é a forma mais rápida de as ter feitas. Mas, como sempre, o melhor é quando me sento com eles e pacientemente os ajudo a fazê-lo. No final da viagem, eles já cozinhavam o jantar, montavam a tenda e faziam chá.

A caminhada acabou tal como tinha começado, com o Herbie a recusar carregar a mochila e a queixar-se de dores nos pés. Desta vez tinha uma boa razão, estávamos na grande descida de mais de 1500 m para o vale de Yosemite num dia anormalmente quente. Estávamos todos exaustos e doridos, pelo que apenas continuámos, um pé a seguir ao outro, com promessas de todos os gelados que puderes comer e um bom jantar à nossa espera no fim.

A nossa aventura não terminou propriamente quando chegámos ao vale Yosemite. Com o sol a começar a desaparecer, o Will tinha encontrado um quarto de hotel no Lodge do Vale de Yosenite, o que significava uma caminhada de quase 5 quilómetros até ao outro lado do vale. O único transporte era uma bicicleta de cortesia abandonada, pelo que a carregámos com as nossas mochilas e um Herbie sonolento, pusemos as nossas lanternas de cabeça e levámos sobre rodas as nossa família suja, exausta e delirante pelo escuro, até dormirmos.

Seis meses mais tarde, as dificuldades da caminhada já estavam esquecidas. Demorámos pelo menos uma semana para esfregar o pó persistente da Serra Nevada e a maioria das bolhas curarem. A intensidade do desafio desvaneceu-se para as crianças, com o orgulho a tomar o seu lugar. O Herbie diz que gostaria de fazer Hiking na Austrália “porque há mais animais perigosos lá”. E o Artley diz que está pronto para fazer a metade sul do trilho de John Muir. Quando eventualmente nos mudarmos de volta para o Reino Unido, regressaremos com um sentido renovado de apreciação pelos locais que podemos explorar: West Highland Way, Hadrian’s Way e o Caminho de South West Coast.

Os californianos dirão que as montanhas não só para lazer. Se o fizer bem, mesmo com crianças, é uma experiência espiritual. Acordei uma noite para fazer xixi, lutando para sair do meu saco cama, enquanto a minha família dormia e saí da tenda para encontrar uma quietude transcendente, uma noite estrelada tão calma e límpida, sem ruído, que a minha mente tentou encontrar um barulho de fundo para o preencher. Explorar as montanhas é mágico. Essa é a prenda verdadeira que damos às nossas crianças”.

hiking 3

Na próxima edição da Pro Runners Magazine vamos ter um artigo inteiramente dedicado ao Hiking, para saber tudo sobre esta modalidade.

A não perder, também, a Highlander Adventure, um evento mundial que este ano passa, pela primeira vez, por Portugal, mais concretamente por Melgaço, já no final de Agosto e sobre o qual pode saber tudo AQUI.

Fonte: The Guardian

Fotos: Will Whipple

Autores
---
Cátia Mogo