David Matos, treinador Ontrisports, é especialista em treino de triatlo e preparou uma sistematização metodológica do treino de força para corrida... Ora espreite!

Para muitos atletas, o tema do treino de força tem sido recorrentemente negligenciado em função da ênfase que é colocada no treino direcionado para a corrida.

Hoje em dia, a evidência científica não engana: o trabalho de força é imperativo para quem quer potenciar o seu rendimento desportivo, bem como reduzir a incidência de lesões.

Permite-nos melhorar a economia do movimento, bem como alguns marcadores fisiológicos de performance determinantes. Este trabalho, tanto para a longevidade desportiva como para a saúde geral e qualidade de vida, traz benefícios adicionais que vão muito para além da corrida (a nível hormonal, composição corporal, metabolismo, etc.), e é especialmente importante para atletas mais velhos, num grupo de idades em que a perda de massa muscular é mais acentuada.

O grande desafio que os atletas normalmente encontram é saber como e quando implementar este tipo de treino no seu dia a dia. O treino de força não se trata simplesmente de levantar pesos. Da mesma maneira que deve existir um planeamento e periodização lógica da carga de treino no que refere á corrida, o mesmo tem de acontecer com o treino de força.

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Quando dizemos ou ouvimos dizer que um atleta está envolvido num processo de treino da força, apenas veiculamos que esse atleta tem a intenção de melhorar a força muscular, sem contudo podermos dizer que tipo ou que componente da força está ele a trabalhar. O conhecimento científico dos últimos anos permite realizar uma análise estrutural da força muscular, por forma a identificar as suas componentes e os principais factores que afectam e influenciam as características de produção de força de um atleta.

Isto é extremamente importante pois significa que existem vários tipos de manifestação da força muscular. Aquilo que vos queremos transmitir é como e quando implementar cada tipo de treino de força em função do vosso calendário competitivo.

De forma resumida, podemos identificar 3 tipos de manifestação da força:

Força Resistente – A Força Resistente é a capacidade para efetuar contrações musculares durante esforços de longa duração e perante cargas substanciais. Serve de base de sustentação a um melhor desempenho da força máxima e força rápida e vai permitir a repetição e a duração, no tempo, dos movimentos nas modalidades desportivas que são baseadas em esforços prolongados. As cargas utilizadas para o trabalho de Força Resistente situam-se entre os 60% a 75% da RM (Repetição Máxima) de cada atleta.

Força Máxima - Por Força Máxima devemos entender o valor mais elevado de força que o sistema neuromuscular é capaz de produzir para superar uma determinada resistência. Desenvolver esta força, exige a utilização de cargas muito elevadas, implicando que todas as estruturas envolvidas no movimento (músculos, tendões e articulações) sejam solicitadas na sua máxima capacidade. Queremos com este tipo de treino, desenvolver a capacidade nervosa para recrutar todas as fibras musculares disponíveis para produzir força. As cargas utilizadas para o trabalho de Força máxima situam-se entre os 85% a 100% da Repetição Máxima (RM) de cada atleta.

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Força Rápida - A Força Rápida é descrita como a capacidade de desenvolver grandes valores de força por unidade de tempo, ou seja, vencer resistências com uma velocidade de contração elevada. Muitas vezes denominada como “potência muscular” ou “força explosiva”, permite ao atleta a execução rápida e eficaz de diversas acções de natureza técnica.

As cargas utilizadas para o trabalho de Força Rápida situam-se entre os 50% a 60% da RM de cada atleta.

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PERIODIZAÇÃO DO TREINO DE FORÇA

A periodização do treino de força está intimamente relacionada com a periodização do calendário competitivo e que tipicamente se divide em: Período Preparatório de Base, Período Preparatório Específico e Período Competitivo. Assim, cada um dos 3 tipos de manifestação da força deverá ser mais ou menos privilegiado em cada um destes períodos de preparação:

1 - Período Preparatório de Base

É neste período que deve realizar um trabalho de adaptação inicial (Força Resistente) que dure cerca de 2-3 semanas (dependendo das necessidades de cada atleta), em que o objetivo passa por trabalhar com cargas relativamente baixas e em que o foco é totalmente na técnica do movimento. Deverá realizar cerca de 3 a 4 séries para cada exercício, com um intervalo de 12 a 20 repetições para cada um, com descansos entre os 30’’ e 60’’ entre cada série.

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No final desta fase de adaptação inicial, deverá realizar um teste de RM (Repetição Máxima), em que o objetivo passa por perceber qual a teórica carga máxima que consegue realizar em cada um dos exercícios selecionados e, desta forma, a percentagem da sua RM ser o teu parâmetro para controlo da intensidade das cargas.

Como fazer um teste de RM?

1 – Deve realizar um aquecimento com uma carga que lhe permita completar um mínimo de 6 a 10 repetições (aproximadamente 50% da RM prevista), e descansar cerca de 2-3’ após esta primeira série.

2 – Com base na série anterior, deverá selecionar uma carga que lhe permitirá realizar, no máximo, cerca de 3 a 4 repetições (aproximadamente 80% da RM prevista, descansando cerca de 3-4’ após esta segunda tentativa.

3 – Deverá, a partir deste passo, ir aumentando a carga de forma progressiva até que encontre a carga que lhe permita realizar 1 repetição apenas – será a sua RM.

DICA

É também durante este período preparatório, que alguns atletas desenvolvem um trabalho de hipertrofia, em que o objetivo passa por aumentar a massa muscular, numa perspetiva de preparar músculos e articulações para suportarem cargas mais elevadas, que surgirão no próximo período preparatório. Deverá aqui trabalhar com cargas entre os 70 e 80% do teu RM, realizando 3 a 4 séries por exercício, procurando um intervalo de repetições entre as 10 e as 15, descansando 1’30’’ a 2’ entre cada série.

2 - Período Preparatório Específico

Este Período Preparatório Específico pode dividir-se em duas fases: uma primeira, em que o foco está no desenvolvimento da Força Máxima e uma segunda, em que a Força Rápida (trabalho de potência) surge como alvo prioritário.

A abordagem ao treino de força máxima deverá ter uma duração de 4-6 semanas, procurando realizar 3-4 séries entre as 3 e as 5 repetições para cada exercício, descansando cerca de 3-4’ entre cada série. Deverá procurar a falha muscular, realizando as últimas repetições com extrema dificuldade, em que o objetivo nesta fase é a estimulação nervosa.

Na segunda fase deste período, deverá também incorporar o desenvolvimento da Força Rápida, em que o objetivo é realizar uma progressão para exercícios essencialmente explosivos, em que a força adquirida na fase anterior é convertida em movimentos específicos da modalidade. Surge tipicamente sob a forma de trabalho pliométrico, com exercícios que devem ser realizados de forma rápida e explosiva à máxima intensidade (Drop Jump, multisaltos, Skipping, etc). Este tipo de trabalho deve ser feito pelo menos 1 vez por semana.

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3 - Período Competitivo

Nesta fase da temporada, em que surgem as competições de forma regular, o objetivo com o trabalho de força acaba por ser manter as adaptações geradas nas fases de preparação anteriores. Há uma redução tanto do volume como da intensidade do treino de força (as cargas reduzem-se para 40 a 60% da RM) e não deverá nunca procurar a introdução de novos exercícios ou estímulos que possam gerar dores musculares prolongadas e ter, consequentemente, um efeito negativo naquilo que é a sua forma desportiva. Deverá procurar ser altamente específico e o trabalho de força acaba por aparecer com menos frequência na sua rotina de treinos.

A última sessão de força deverá ser realizada cerca de 10 a 12 dias antes das tuas competições prioritárias.

dica 3

Para que o teu trabalho seja o mais adequado possível, recorre ao apoio de profissionais da área, pelo menos numa fase inicial e até dominares tecnicamente os exercícios.

A integração de rotinas de treino de força em ambiente de ginásio não substitui o desenvolvimento da força específica realizado a correr e que tem também uma metodologia e periodização própria.

Sabemos que o tempo para treinar ser limitado, mas o treino da força é essencial, e justifica por vezes teres de abdicar de outra sessão para ser realizado.

tabela 1

Tabela 1 - Periodização do treino de força e respetivas metodologias.

Autores
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David Matos